Tatuagem: uma história antiga e pouco conhecida

Tatuagem: uma história antiga e pouco conhecida

Por milhares de anos, homens e mulheres marcaram seus corpos com tatuagens. Esses desenhos permanentes – simples ou elaborados, mas sempre pessoais – serviram como amuletos, símbolos de status, declarações de amor, sinais de crenças religiosas, adornos e até mesmo como sinais para marcar criminosos ou prisioneiros, como os números que marcavam os braços dos internos do campo de concentração de Auschwitz durante o nazismo.

CONTEÚDO

O que é tatuagem? Qual a origem dessa palavra?

A tatuagem é uma marca permanente feita na pele humana pela aplicação de pigmentos, tinta ou matéria corante por meio de agulhas ou pontas afiadas.

Por ser permanente, a tatuagem é uma forma de modificação corporal feita na camada da derme da pele.

A palavra é de origem polinésia e chegou ao Ocidente no século XVIII levada pela expedição britânica de James Cook. Ao passar pelo Taiti e Samoa, em 1769, Cook ficou impressionado com os corpos tatuados dos nativos que chamavam essa prática de “tatatau” ou “tatau”, que significa bater ou golpear, originando o termo tattoo, em inglês.

Tatuagem masculina tradicional de Samoa, da cintura até os joelhos (à esquerda). Chefe maori com tatuagens, desenho de Sydney Parkinson, da expedição de James Cook, 1769.

Que povos usaram tatuagem?

Foram encontradas tatuagens entre os antigos egípcios, núbios, gregos, líbios, citas e os pictos (grupo celta da antiga Escócia que os romanos chamavam de “povo pintado”). Soldados romanos se tatuavam com folhas de hera. Com o cristianismo, as tatuagens foram consideradas uma ofensa a Deus pois defiguravam o que foi feito à imagem de Deus.

Várias culturas em toda a África faziam tatuagens, incluindo os belos pontos nos rostos de mulheres berberes na Argélia, as elaboradas tatuagens faciais de homens Wodabe no Níger, e as marcas feitas pelos Iorubás, Fulani e Huaçá da Nigéria. Os coptas cristãos do Egito tatuavam pequenas cruzes na parte interior de seus antebraços.

Na Ásia, evidências de tatuagem foram encontradas entre algumas múmias encontradas no deserto de Taklamakan, na China, datadas de 1200 a.C. A tatuagem também era praticada entre o povo Ainu do Japão.

Na América, as tatuagens foram comuns entre muitos povos pré-colombianos do Chile e do Peru como os nazcas, os mochicas e os chinchorros, povos anteriores aos incas. Corpos mumificados de seis mulheres inuítes da Groelândia, de 1475 d.C., tinham tatuagens faciais.

Muitos grupos indígenas brasileiros usavam e continuam a usar tatuagens como os Matis,  Matses, Karajá, Ikpeng e Kayabi que viviam na Amzônia. Também os Apiakás usavam tatuagens, especialmente no rosto, como mostram os desenhos da Hercules Florence de 1820.

Mão direita tatuada de mumia Chiribaya, cultura que floresceu na costa do Peru e Chile, 900-1350 d.C., Museu El Algarrobal, Peru.

Braço direito da múmia da Senhora de Cao, cultura mochica, c. 400 d.C., Peru. Seu antebraço, mãos, tornozelos e dedos dos pés têm tatuagens de serpentes, símbolo da água, e aranhas, símbolo da criação e considerada um ancestral civilizador dos mochicas.

Mulher Apiaká com tatuagem facial, retratada por Hercules Florence, em 1828, Mato Grosso (à esquerda). Menino Iuri com tatuagem facial, retratado pela expedição de Spix e Martius na Amazônia, c. 1820, Amazônia.

 Quais são as evidências de uso de tatuagens?

A maior prova de uso de tatuagem é encontrá-la na pele humana preservada. É uma prova arqueológica direta, assim como ferramentas usadas para fazer tatuagem.

Na ausência de provas diretas, pode-se encontrar evidências de uso de tatuagens na arte (pintura e escultura). Os murais da tumba da Senhora de Cao, a múmia mochica encontrada no Peru, trazem as mesmas figuras que foram tatuadas na pele daquela mulher.

Também em textos escritos como poemas, relatos e lendas podem fazer referência a tatuagens, assim como apelidos dados a um povo como fizeram os romanos que chamaram os pictos da Escócia de “povo pintado”.

Evidências de tatuagem no Egito: o braço tatuado de uma rainha, relevo na parede de uma tumba egípcia, 1450 a.C. (à esquerda);  estatueta feminina com tatuagens, 1850-1640 a.C. (acima); tigela com figura feminina tendo a tatuagem de divindade em sua coxa, 1300 a.C. (abaixo).

Como os antigos faziam tatuagens?

 Para marcar e ferir a pele, usavam-se ferramentas de osso ou de pedra (obsidiana) afiada. Os indígenas da Amazônia faziam tatuagens com as presas do pirandira ou peixe-cachorro, e também espinhos da palmeira de tucum. Os antigos egípcios usavam ferramentas de metal.

As presas da pirandira ou peixe-cachorro e os espinhos da palmeira de tucum servem de ferramenta de tatuagem para os indígenas da Amazônia.

Depois de ferida a pele, esfregava-se fuligem (carvão) para destacar o desenho. Os tatuadores egípcios usavam pigmentos preto, azul ou verde, com pouca variação. Essas cores simbolizam a vida, o nascimento e a fertilidade. Os tatuadores eram provavelmente mulheres mais velhas com experiência em entender os símbolos e o significado das cores.

Em Abidos e na cidade de Gurob, no Egito, foram encontrados, ferramentas de tatuagem datadas de c. 3000 a.C. e c. 1450 a.C., respectivamente. O conjunto de Abidos era formado por pequenas pontas de metal afiadas com cabo de madeira, enquanto o de Gurob eram de bronze.

Pontas de bronze usadas para tatuagem, c.1450 a.C., de Gurob, Egito, Museu Petrie de Arqueologia Egípcia, Londres.

No Egito Antigo, a tatuagem era uma prática mais comum entre as mulheres, e de diferentes níveis sociais. Os egiptólogos encontraram muito mais múmias femininas tatuadas do que masculinas. Acredita-se que as tatuagens eram usadas como amuleto para proteger as mulheres durante a gravidez e o parto.

Qual é a prova mais antiga de uso de tatuagem?

Primeiro é preciso identificar a idade do corpo tatuado. Para isso, os arqueólogos usam datação por radiocarbono. Esta técnica mede a quantidade de carbono-14 em um organismo morto, compara com os níveis de carbono-14 na atmosfera hoje e fornece uma estimativa de quando o organismo morreu.

Por muito tempo, as tatuagens encontradas em Ötzi, o Homem do Gelo (falaremos dele a seguir) foram consideradas as mais antigas. Porém, elas perderam esse posto em 2018 quando pesquisadores do Museu Britânico examinaram com mais atenção as múmias Gebelein, um corpo masculino e outro feminino naturalmente mumificados, descobertos no Egito.

A luz infravermelha revelou sinais de tatuagem nos dois corpos. A múmia masculina tinha um desenho em seu bíceps: dois animais com chifres ligeiramente sobrepostos identificados como um touro e uma ovelha. A múmia feminina trazia quatro pequenos motivos em forma de “S” sobre seu ombro direito.

As múmias Gebelein, datadas entre 3351 e 3017 a.C., período pré-dinástico do Egito, são, portanto, as mais antigas tatuagens conhecidas.

Uma imagem infravermelha revelou a tatuagem de carvão da múmia masculina Gebelein: um touro selvagem com cauda e chifre, abaixo uma ovelha selvagem com chifres curvos.

Quatro pequenos sinais em forma de “S” foram tatuados no ombro direito da múmia Gebelein

As tatuagens terapêuticas de Ötzi, o Homem de Gelo

Ötzi, nome dado à múmia masculina preservada no gelo dos Alpes, tem sido intensamente pesquisada desde a sua descoberta em 1991 na fronteira entre a Itália e a Áustria. Ötzi era um caçador da Idade do Cobre que morreu por volta de 3200 a.C. de um ferimento de flecha que perfurou uma artéria. A ponta da flecha permaneceu cravada em seu ombro esquerdo. As condições glaciais preservaram grande parte de seus tecidos, ossos e órgãos.

Ötzi foi encontrado nos Alpes, deitado de bruços, em 19 de setembro de 1991 devido ao grande derretimento da geleira no verão daquele ano. Inicialmente, pensou-se ser um alpinista, depois verificou-se ser um homem da Idade do Cobre que teria vivido por volta de 3200 a.C.

A múmia de Ötzi tem 61 tatuagens espalhadas nas pernas, costas, peito e no pulso esquerdo. São traços, pontos e pequenas cruzes tatuados na parte inferior da coluna, nas articulações do joelho direito e tornozelo – áreas de maior degeneração provocada por esforço muscular. Isso sugere que as tatuagens podem ter sido feitas para aliviar a dor articular e, portanto, eram essencialmente terapêuticas e não simples decoração corporal.

Os 61 tatuados são comumente associados a pontos de acupuntura, levantando a hipótese de que o grupo de Ötzi soubesse da prática cerca de 2000 anos antes do que se acredita que ela surgiu na China.

Tatuagem em forma de pulseira no pulso de Ötzi.

Tatuagens em forma de traços no braço de Ötzi.

Além disso, Ötzi tinha conhecimento de plantas medicinais. Entre seus pertences foram encontradas folhas de bétula, planta com poder antiinflamatório que pode agir como um antibiótico. A samambaia detectada em seu estômago poderia ter servido como tratamento de tênia.

 As tatuagens da Dama do Gelo, de Altai

Os Pazyryk, antigo povo nômade que viveu nas Montanhas Altai, na Rússia siberiana também faziam tatuagens. Esses pastores e criadores de cavalos, floresceram entre os séculos VI e III a.C. Espalhados nas estepes entre a Rússia, Mongólia, China e Czaquistão, eles comercializavam com a Pérsia, Índia e China.

Em 1948, o corpo de um homem Pazyryk, de 2.400 anos de idade, descoberto no gelo da Sibéria, tinha membros e tronco cobertos por tatuagens de animais míticos.

Em 1993, foi descoberta, em um túmulo em Altai, o corpo mumificado de uma mulher com tatuagens em seus ombros, braços, pulsos e polegar. A chamada Dama ou Donzela do Gelo tinha cerca de 20 anos quando morreu de câncer, no século V a.C. Ao lado do corpo, havia um pote de maconha. Provavelmente, a droga era utilizada para cessar as dores provocadas pelo câncer.

A Dama do Gelo, corpo mumificado do século V a.C. encontrado em Altai, traz tatuagens nos ombros, braços, pulsos e polegar.

Animal mítico tatuado no ombro da Dama do Gelo.

Fonte

 

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