A origem da palavra “Brasil”

A origem da palavra “Brasil”

Já virou senso comum dizer que o nome do Brasil deriva do pau-brasil, a árvore que os indígenas chamavam de ibirapitanga. A madeira do pau-brasil, de coloração avermelhada, parecia ter cor de brasa – e a palavra “brasa” teria então originado o nome Brasil. É uma explicação simples e aparentemente tão óbvia que é rapidamente aceita. Como apareceu essa associação entre as palavras brasa e Brasil?

Segundo o historiador e arqueólogo Pedro Paulo Funari, essa confusão começou pouco depois do início da colonização. Um planisfério, conhecido como Kunstmann IV e datado de 1519, apresenta a inscrição latina com a mais antiga referência à suposta derivação de Brasil de pau-brasil: Hanc terram magis austreliorem brasilli a ligno quod ab ea copiosa defertur muncupatam (“essa terra mais ao sul é chamada Brasil por causa do pau que é dali retirado em grande quantidade”).

Essa explicação passou a ser repetida, sendo aceita, por exemplo, por Anchieta (1584), e popularizou-se de forma generalizada, explica Funari.

O nome Brasil, contudo, é séculos anterior à viagem de Pedro Álvares Cabral e à exploração da madeira avermelhada. Brasil era uma palavra carregada de lendas fabulosas e que há gerações estava no imaginário dos navegadores europeus.

Planisfério Kunstmann, de 1519. Marcado com um círculo a identificação de Brasil e o texto onde se lê “essa terra mais ao sul é chamada Brasil por causa do pau que é dali retirado em grande quantidad e”.

Idade Média: a crença em uma ilha mítica

Muitos séculos antes das grandes navegações, o nome Brasil já era falado pelos celtas da Irlanda e do País de Gales.

Quem eram os celtas?  Era um conjunto de povos, organizados em tribos, que habitavam a Europa desde o II Milênio a.C. Os gregos e fenícios chegaram a ter contatos comerciais com os celtas. A partir do século III a.C., a maioria dos povos celtas foi conquistada pelos romanos e integrada ao Império Romano. Os nomes desses povos batizaram as províncias romanas: os celtas gauleses deram nome à Gália (atual França), celtas bretões, à Britânia (daí britânicos e Grã-Bretanha), os celtas escotos, à Escócia etc.

Os celtas do País Gales e da Irlanda (estes se orgulham de nunca terem sido conquistados pelos romanos) contavam histórias fabulosas sobre uma ilha misteriosa, que aparecia e desaparecia no mar, um lugar paradisíaco chamado O’Brazil, O’Brassil, Hi-Brazil, Hy-Breasil ou Brazir – a grafia varia muito conforme o registo.

O professor Funari explica o significado desses nomes: “o sentido seria “Terra dos Bem-Afortunados”, “Ilha da Felicidade” ou “Terra Prometida”, já que a raiz bres, em irlandês, significa “nobre, sortudo, feliz, encantado”. Esse nome conviria bem a uma ilha imaginária a oeste do mundo conhecido, na mentalidade medieval.

Segundo a lenda celta, na ilha Hy-Brazil todas as plantas tinham flores e todas as árvores, frutas e pedras eram pedras preciosas. A ilha estava quase sempre inteiramente coberta por neblina e só era visível um dia a cada sete anos.

A mítica ilha entrou no imaginário medieval como um lugar maravilhoso, que muitos desejavam alcançar. Logo ela começou a aparecer nos mapas.

A ilha Hy-Brazil nos mapas náuticos

A ilha Hy-Brasil e outras variantes do nome original surgiu na cartografia náutica desde o século XIII. Era representada como uma ilha pequena, localizada a oeste da Irlanda ou no meio do oceano Atlântico.

Diversos mapas localizam a ilha como o mapa da Catalunha de 1325-1330, o mapa de Dulcert de 1339, o mapa dos irmãos Pizagani de 1375-1378, o mapa do cartógrafo veneziano Andrea Bianco de 1436. Um mapa catalão de cerca de 1480 mostrava duas “Illa de Brasil”, uma a sudoeste da Irlanda e outra ao sul de “Illa Verde” ou Groelândia.

Mapas portugueses do século XIV apontam a ilha Hy-Brazil mais ao sul, na frente da península Ibérica. Chegaram a batizar de Brasil uma das nove ilhas do arquipélago dos Açores (atual Ilha Terceira na qual ainda hoje ali existe um Monte Brasil).

Como se vê, os navegadores e cartógrafos daquele período sonhavam em encontrar a mítica Hy-Brazil e também outras ilhas lendárias como a Avalon, da lenda do rei Arthur, a ilha de São Brandão e as ilhas Afortunadas onde moravam as almas dos heróis gregos. Isso muito antes do nosso país aparecer na rota das navegações atlânticas da Idade Moderna.

Detalhe do mapa irlandês de Abraham Ortelius, de 1572 onde parece a ilha Brazil à oeste da Irlanda.

Mapa irlandês de Abraham Ortelius (completo), de 1572; no círculo, a ilha Brazil.

No círculo vermelho, a localização da ilha Hy-Brazil, mapa de 1570 .

Como surgiu o nome do Brasil

O nome oficial da América portuguesa foi, primeiro, Ilha de Santa Cruz e depois Terra de Santa Cruz. Mas já nos primeiros anos, depois da chegada de Cabral, começou a confusão entre o nome da terra e o nome da madeira, como apontamos acima no mapa Kunstmann IV, de 1519.

Os registros portugueses do século XVI referem-se ao pau-brasil como “verniz” ou “pau-vermelho”, tradução do indígena ibirapitanga.

“Brasileiro” era, então, o nome dado ao comerciante de pau-brasil, à semelhança de “baleeiro” e “negreiro”, comerciantes de baleia e de escravos, assim como os nomes atuais de padeiro, açougueiro, jornaleiro etc.

A confusão dos nomes da madeira e da terra acabou levando a denominação Terra de Santa Cruz a cair em desuso. Ficou, então, apenas o nome Brasil para a terra e de brasileiro para seus habitantes.

E a ilha lendária? Ela continuou sendo procurada por navegadores, aventureiros, místicos e sonhadores. Há o relato do capitão escocês John Nisbet, de 1674, que afirmou ter visto a ilha quando estava em uma viagem da França para a Irlanda. Ele afirmou que entrou em um nevoeiro e quando a névoa se dissipou viu que estava muito perto de uma ilha. Enviou uns marinheiros até lá e eles voltaram carregados de ouro e prata dados pelo único morador da ilha. Há registro de avistamento da ilha em 1872, ano em que os mapas ainda traziam a suposta localização da ilha. Depois disso, a ilha desapareceu dos mapas.

Fonte

 

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