A última carta de Maria Antonieta

A última carta de Maria Antonieta

Maria Antonieta, rainha da França, foi executada na guilhotina no dia 16 de outubro de 1793. Ela estava com 38 anos de idade. A França vivia, então, o chamado período do Terror jacobino, durante a Revolução Francesa. A rainha havia sido presa no ano anterior junto com Luís XVI, seus dois filhos (Maria Tereza, 14 anos, e o Delfim, 7 anos) e sua cunhada, irmã do rei, Isabel ou Elisabete de França. O primeiro a ser condenado foi Luís XVI, em janeiro de 1793.

O julgamento de Maria Antonieta ocorreu nos dias 14 e 15 de outubro. Somente na véspera, foram nomeados seus advogados de defesa, Chauveau-Lagarde e Tronson-Ducoudray. Os debates duraram vinte horas consecutivas. O Tribunal Revolucionário considerou-a culpada “de ter cooperado diretamente em manobras e inteligência com potências estrangeiras e inimigos externos da República, bem como em tramas e conspirações tendentes a desencadear a guerra civil armando cidadãos uns contra os outros”.

O veredicto – condenação à morte na guilhotina – foi pronunciada pelo júri do Tribunal Revolucionário, no dia 16, às 4h da manhã. A sentença é executada, sem demora, nesse mesmo dia, às 12h15, na Praça da Revolução (hoje Praça da Concórdia), no mesmo local onde foi guilhotinado Luís XVI. Uma testemunha ocular chamada Lapierre escreve à Carentan People’s Society que a rainha, a quem ele chama de vadia, “subiu ao cadafalso com incrível firmeza, sem vacilar”.

A carta de Maria Antonieta e seu destino

Assim que a rainha recebeu a sentença em sua cela na Conciergerie, ela escreveu sua última carta, com uma caligrafia rápida e apertada, em papel pequeno (23 cm x 19 cm), dobrado ao meio. Era o dia 16 de outubro de 1793, entre 4h e 4h30 da manhã.

O destinatário era a sua cunhada, Elisabete, chamada de “irmã” por ela. A carta, contudo, nunca chegou a Elisabete que sequer ficou sabendo de sua existência.

A carta caiu nas mãos de Antoine Fouquier de Tinville, promotor público. É dele as assinaturas (na página 2) e as iniciais AQ (no topo da página 1) e também dos membros da Convenção, Lecointre, Legot, Guffroy, Massieu. O promotor Fouquier de Tinville é uma das figuras mais sinistras da Revolução. Jacobino radical e feroz acusador de Maria Antonieta, ele era conhecido por dar uma aparência de legalidade às condenações e não em buscar a culpa real. Depois da queda de Robespierre, ele tentou ganhar a indulgência dos Bourbons e entregou a carta a Luís XVIII, irmão do falecido Luís XVI.

A carta pertence, hoje, ao Arquivo Nacional do Hôtel de Soubise. O documento mostra o sofrimento de quem está prestes a morrer e dirigiu seus últimos pensamentos para a família. A mancha na carta pode ter sido uma lágrima de Maria Antonieta que caiu sobre o papel e diluiu a tinta.

Elisabete teve o mesmo destino de Maria Antonieta, tendo sido executada no ano seguinte, em 10 de maio de 1794, aos 30 anos. Já o filho da rainha, foi mantido prisioneiro em condições subumanas e morreu na prisão em 10 de agosto de 1795, aos 10 anos de idade, desnutrido e com tuberculose.

Última carta de Maria Antonieta, Arquivo Nacional do Hôtel de Soubise, França.

A carta na íntegra

“Neste dia 16 de outubro, às quatro da manhã,

É para você, minha irmã, que escrevo pela última vez. Fui condenada não a uma morte vergonhosa como para os delinquentes, mas para se juntar a seu irmão [Luís XVI]; inocente como é, espero mostrar a mesma firmeza nos últimos momentos. Estou calma, a consciência não me censura nada.Tenho uma dor profunda por abandonar meus pobres filhos; tu sabes que eu só existia para eles e para ti, minha boa e terna irmã, tu que por tua amizade, sacrificou tudo para estar conosco, em que posição os deixo!

Soube no processo que minha filha está separada de você. Ai de mim! Pobre criança, não me atrevo a escrever-te, ela não quis receber a minha carta; eu nem sei se isso vai chegar até você.

Receba minha bênção para os dois. Espero que um dia, quando eles forem mais velhos, eles possam se reunir com você e desfrutar plenamente do seu terno cuidado.

Que pensem em tudo o que eu não deixei de inspirar, que os princípios e o cumprimento exato dos deveres são a primeira base da vida; que sua amizade e confiança mútua os farão felizes; que minha filha sinta que é seu dever, dada a sua idade, ajudar sempre o irmão com os conselhos da experiência que ela tem mais do que ele e que a amizade dele a inspirará.

Que meu filho, por sua vez, preste à irmã todo o cuidado, os serviços que a amizade pode inspirar; finalmente, ambos sentem que em qualquer posição em que se encontrem, eles serão verdadeiramente felizes somente graças à sua opinião. Dê um exemplo nosso!

Quanta consolação, em nossos infortúnios, vem a nós da nossa amizade, a alegria é duplamente desfrutada quando pode ser compartilhada com um amigo; e onde você pode encontrar mais ternos, mais unidos do que em sua própria família?

O meu filho nunca deve esquecer as últimas palavras do pai, que lhe repito expressamente: nunca tente vingar a nossa morte.

Eu tenho que te contar sobre uma coisa muito dolorosa para o meu coração. Eu sei o quanto aquela criança deve ter causado dor a você; perdoe-o, minha querida irmã, pense na idade dele e em como é fácil fazer uma criança dizer o que você quer e também o que ela não entende: chegará um dia, espero, em que ela sentirá o máximo valor de sua bondade e sua ternura por vocês dois.

Eu ainda tenho que confiar em você meus últimos pensamentos; eu gostaria de me retirar no início do julgamento; mas além do fato de que eles não me deixaram escrever, a pressão dos acontecimentos foi tão rápida que eu realmente não tive tempo.

Morro na religião católica, apostólica e romana, na de meus pais, em que fui educada, e que sempre professei, não tendo nenhum consolo espiritual para esperar, sem saber se ainda há padres desta religião aqui, e também se fosse esse o caso, o lugar onde estou os exporia muito se eles entrassem uma vez.

Sinceramente, peço perdão a Deus por todos os erros que cometi desde que existo. Espero que na sua bondade ele queira aceitar os meus últimos votos, como os que faço há muito tempo, para que na sua misericórdia e na sua bondade receba a minha alma.

Peço perdão a todos aqueles que conheço, e a você, minha irmã, em particular, por todas as dores que, involuntariamente, fui capaz de causar-lhes. Eu perdoo todos os meus inimigos o mal que eles me fizeram. Aqui me despeço de minhas tias e de todos os meus irmãos e irmãs.

Tive amigos, a ideia de ficar separada deles para sempre e suas dores são um dos maiores arrependimentos que carrego comigo na morte, pelo menos sei que até o último momento pensei neles.

Adeus, minha boa e terna irmã; que esta carta chegue até você! Pense sempre em mim, beijo-te de todo o coração, assim como a esses pobres e queridos filhos.

Meu Deus! Como é doloroso deixá-los para sempre! Adeus, adeus, não me preocuparei mais com meus deveres espirituais.

Como não estou livre de minha execução, talvez me tragam um padre, mas protesto aqui que não direi uma palavra a ele e que o tratarei como um ser absolutamente estranho.”

 

No último parágrafo, Maria Antonieta rejeita de antemão qualquer assistência religiosa de um padre, pois os padres franceses haviam feito o juramento de fidelidade à Constituição Civil do Clero, condenada por Roma e, portanto, considerados como não fazendo parte da Igreja Católica.

Em seus últimos momentos, Maria Antonieta se expressa sem rodeios. Sua principal preocupação é como seus filhos entenderão a morte de seus pais. Ela espera que eles não alimentem qualquer ideia de vingança, que vivam em um espírito de perdão, buscando uma verdadeira união entre eles e que confiem, como ela, em Deus. Sem uma palavra de reclamação ou arrependimento pela situação passada, Maria Antonieta pensa apenas em deixar, em linguagem simples, um legado espiritual para seus filhos.

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