Suástica: de símbolo de felicidade a emblema maldito

Suástica: de símbolo de felicidade a emblema maldito

Desde que a suástica foi usada como símbolo do Partido Nacional Socialista de Hitler, o Ocidente passou a identificar esta cruz com o nazismo. Sua origem, porém, é anterior ao nazismo em milhares de anos, remontando à Pré-História de diversos povos em todo mundo.

Suástica é uma cruz com quatro braços longos, do mesmo tamanho e ângulos, e que apontam para a direita ou esquerda. A palavra é derivada do sânscrito, svastika, que significa “boa sorte”, “felicidade” ou “estar bem”.

Criança hindu com a cabeça raspada e uma suástica vermelha nela, na cerimônia que marca a aceitação de um aluno por um guru e sua entrada na escola de hinduísmo. À direita, escultura com símbolos do Jainismo, na Índia.

Origem da suástica, na Ásia

O termo “suástica” apareceu pela primeira vez na gramática sânscrita por volta de 400 a.C. para denominar uma marca feita no gado. Consiste nas sílabas su (“bom”) e asti (“é”, do verbo as- “ser”). O composto svastí significa “sorte”, “benção”, em sânscrito antigo.

O símbolo, porém, é mais antigo do que a palavra. Em Tell es-Sultan, perto de Jericó, foi encontrado um selo com uma suástica gravada, datado de 7000 a.C. Motivo semelhante foi descoberto em um pingente no Iraque, de 4000 a.C. e em Biblos, cerca de 3500-3000 a.C.

Nas culturas do vale do Indo, a suástica existe desde cerca de 3000 a.C. Os exemplos mais antigos conhecidos são os selos ou carimbos encontrados em 1924 perto das aldeias de Mohenjo-Daro e Harappa, no atual Paquistão. Eles mostram suásticas anguladas à direita e à esquerda.

A suástica já era comum cerca de 1000 anos antes da disseminação das tribos de língua ariana na Índia.

A suástica é um símbolo milenar que existiu em diferentes culturas e religiões em todo mundo.

A suástica na Europa

Na Europa Oriental, foram encontradas suásticas gravadas em figuras pré-históricas datadas de 15.000 a.C. e em fragmentos de cerâmica neolítica do 6º milênio a.C. Elas são consideradas elementos decorativos representando a força e o movimento do sol.

A cultura minoica em Creta (por volta de 2600 a.C.) deixou vasos, alguns dos quais, pintados com suásticas. Os gregos herdaram a suástica utilizando-a em moedas, capacetes, vasos. A suástica também aparece em urnas funerárias e sepulturas dos etruscos, civilização que dominou o centro-norte da Península Itálica entre os séculos IX e VI a.C.

À esquerda, moeda de prata de Corinto, com figura de Pégaso e suástica, Grécia, século VI a.C.. À direita, suástica pintada em vaso minoico, de Creta, c. 2000 a.C.

O arqueólogo alemão Heinrich Schiliemann, nas escavações de Hissarlik (Tróia), encontrou suásticas em objetos do cotidiano, como cerâmica e fusos manuais.

Entre os antigos romanos, os padrões da suástica aparecem em pisos de mosaico e nas paredes, pintados em afrescos, desde a era helenística, por volta de 300 a.C. Suásticas foram encontradas na Síria-Palestina sob ocupação romana decorando uma sinagoga em En Gedim, na sala do palácio de Cesareia, em uma villa em Massada e na cidade alta de Jerusalém.

Suásticas romanas também aparecem em fivelas, peças de roupa, no monumento ao deus Mitra e até em inscrições em tumbas cristãs. Elas são interpretadas como figuras decorativas e amuletos mágicos para repelir o mal.

À esquerda, piso de mosaico romano da “Villa Hylborn”, Alemanha, período do Império Romano, séculos I a III d.C. À direita, piso de mosaico na Casa de Dionísio, em Chipre, séculos IV e III a.C.

A suástica na África e na América

Ornamentos de suástica penetraram na África possivelmente através de rotas comerciais do Império Faraônico. Foram encontrados na Núbia e no sul do Saara.

Nas igrejas escavadas na rocha de Lalibela, na Etiópia, construídas por volta de 1200, há suásticas em piso de mosaico, em decorações de paredes e colunas. Algumas têm braços curvados e, talvez não sejam derivadas de modelos indianos ou romanos.

Na América do Norte, as gravuras rupestres da cultura Hohokam (300-1500), no sul do Arizona, trazem dezenas de suásticas, isoladas ou compondo com outros desenhos.

Os Anasazi (400-1300), no sudoeste dos Estados Unidos, fizeram desenhos com suásticas em pele de veado. São considerados os exemplos mais antigos da América do Norte.

Os Navajos teceram suásticas em mantas, roupas e tapetes. Outras tribos também adotaram esse padrão em sua cerâmica. Consideravam a suástica como uma imagem da rotação da constelação da Ursa Maior em torno da Estrela do Norte e símbolo de uma tradição mítica: a suástica representava os quatro chefes enviados em todas as direções para encontrar a melhor forma de governo para seus povos.

Entre os Hopi, a cerimônia de invocação dos ancestrais, formava uma grande suástica no chão, que correspondia ao movimento da terra para a direita e ao movimento do sol para a esquerda.

No Peru, em uma das pirâmides de Tucume, da cultura Sican ou Lambayeque (750-1375), foi encontrado um jarro de barro com uma suástica desenhada com carvão.

À esquerda, jarro da cultura Sican, encontrado na Huaca Rajada, Peru, século XIII. À direita, janela da igreja Bete Maryan, em Lalibela, Etiópia, século XII.

A suástica como símbolo da “raça ariana”

No século XIX, pesquisadores europeus descobriram a suástica em várias culturas antigas da Índia, China, Japão, Ásia Menor e América. Por essa época, já estava em voga a teoria de uma suposta raça indo-europeia superior.

Com base em textos indianos antigos mal interpretados, estudiosos europeus adotaram o termo sânscrito “ariano” para chamar essa raça superior que diziam ser composta por pessoas loiras e olhos claros.  Os “arianos” teriam migrado da Índia e fundado todas as grandes civilizações, até serem “degenerados” pela mistura racial com as populações locais.

Com base na teoria ariana (hoje totalmente ultrapassada), os pesquisadores do século XIX interpretaram a suástica como um símbolo da tal “raça ariana”. Em 1872, o pesquisador francês Émile-Louis Burnouf, um notório antissemita, racista e autor do arianismo, afirmou que a suástica deveria ser considerada um símbolo da “raça ariana”.

A descoberta de suásticas por Heinrich Schliemann nas escavações em Tróia, na década de 1870, deram força às ideias de Burnouf. Em seu livro Ilios, a cidade e o país dos troianos (1881), Schliemann chegou a afirmar que as suásticas de Tróia eram a prova de que os troianos pertenciam à “raça ariana”.

A teoria da “raça ariana superior” e da suástica como seu símbolo difundiu-se entre muitos pesquisadores. Em agosto de 1889, esse foi o tema de um congresso de antropologia e arqueologia pré-histórica onde os cientistas descreviam os arianos como um povo guerreiro, alto, de pele clara e olhos azuis, e discutiam se a sua origem seria a Índia ou o norte da Europa.

A teoria penetrou no meio acadêmico, na arte, no folclore e na política. Dezenas de livros foram escritos sobre a teoria ariana. Autores alemães estavam convencidos de que o povo alemão era herdeiro direto dos arianos e, portanto, existiria uma “continuidade germânica” desde a antiguidade até os dias atuais.

Quanto as suásticas descobertas na América e África, elas foram ignoradas ou vistas como evidências de “degeneração” de outros povos e culturas.

A suástica como símbolo nazista

O nazismo soube aproveitar-se da suástica e da teoria da “raça ariana superior “ para alimentar a propaganda nazista de exaltar e unir o povo alemão em torno da ideia de superioridade racial e unidade étnica.

Esboço de Hitler de 1920: “Os símbolos sagrados dos teutões. Um desses sinais deve ser levantado por nós novamente”, escreveu ele abaixo dos desenhos.

A partir de 1933, os nazistas adotaram a suástica inclinada 45º para a direita como símbolo do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazista), de Adolf Hitler. Ela entrou, também, como elemento central na bandeira do Reich Alemão. A suástica nazista era preta sobre um disco branco e moldura vermelha.

A tese da “continuidade germânica”, por sua vez, correspondia às próprias intenções de expansionismo do governo nazista alemão.

Em 1935, Heinrich Himmler, líder da SS, criou a Fundação de Pesquisa da Ahnenerbe Alemã cujo objetivo era fundamentar “cientificamente” a ideologia racial nazista do “homem superior ariano”. A Ahnenerbe organizou expedições e pesquisas arqueológicas, antropológicas e históricas buscando provas para respaldar as teses nazistas.

A suástica foi apontada como símbolo da civilização de Atlântida que teria deixado vestígios em tumbas megalíticas e na arte rupestre na Escandinávia. Os pesquisadores nazistas da Ahnenerbe usaram achados arqueológicos na Polônia para legitimar suas reivindicações territoriais e a “germanização” de sua população. Uma expedição enviada ao Tibete, em 1938, tentou provar que os tibetanos eram descendentes de supostos arianos e, portanto, eles deveriam se aliar à Alemanha contra a Grã-Bretanha.

De símbolo místico a emblema racista

A suástica é, portanto, um símbolo milenar que existiu em diferentes culturas e religiões em todo mundo. Na China, simboliza a eternidade. No hinduísmo, jainismo e budismo, é ainda hoje um símbolo religioso de boa sorte.

Algumas estátuas de Buda trazem uma suástica no peito, símbolo solar de boa sorte. No hinduísmo representa tanto a evolução do universo como sua involução, conforme a direção apontada por seus braços. As mitologias indo-europeias associam a suástica ao Sol, ao poder e à iluminação. Os celtas e os povos nórdicos identificavam a cruz suástica aos deuses Taranis e Thor, respectivamente.

À esquerda, suástica no teto do templo do deus Vishnu, c. de 580, caverna em Badami, Índia. À direita, estátua de Buda com suástica no peito, como sinal de boa sorte.

A apropriação da suástica pelo nazismo mudou o significado desse antigo símbolo. Ele passou a representar a ideologia nazista e ficou associado aos crimes cometidos pelos nazistas, à segregação racial e às ideias supremacistas (ideologia que defende a supremacia ou superioridade de um determinado grupo).

A proibição da suástica

Pela vinculação da suástica ao nazismo, seu uso político está proibido na Alemanha, Áustria e outros países desde 1945. Na Alemanha, a suástica só pode ser mostrada para fins de “educação cívica” de acordo com leis estipuladas pelo Código Penal.

Desde 1973, a proibição da suástica estendeu-se a brinquedos de guerra e modelos de armas nazistas. A suástica é permitida em situações específica como obras de arte, caricaturas políticas e catálogos de leilões desde que objetivamente não apoie o nazismo.

Nos Estados Unidos, o assunto é controverso. Embora a princípio, fazer apologia ao nazismo e ao racismo não seja proibido de acordo com o direito à liberdade de expressão, há casos em que este tipo de discurso foi punido. Especialistas em direito constitucional e internacional defendem a proibição de mostrar a suástica por seu significado histórico recente, por exaltar o genocídio e incitar a revolta e a perturbação da ordem pública. Os Estados Unidos são signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos, que proíbe disseminação de ódio nacional, racial ou religioso.

No Brasil, a exibição da suástica é proibida, configurando um crime. A Lei n. 7.716/89 que trata de crimes de discriminação por crença, raça ou cor, no parágrafo 1º, proíbe a divulgação do ideário nazista, tornando crime a fabricação, comercialização, distribuição ou até mesmo a vinculação de emblemas, ornamentos, distintivos ou propagandas que utilizem a cruz suástica ou gamada. A pena é dois a cinco anos de reclusão e multa.

Fonte

  • QUINN, Malcolm. The Swastika: constructing the symbol. Londres / Nova York: Routledge, 2015.

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