Receitas bizarras contra a calvície: uma história de 5000 anos

Receitas bizarras contra a calvície: uma história de 5000 anos

A calvície tem sido uma preocupação constante de homens e mulheres ao longo da história. Desde a Antiguidade até os dias atuais, os homens recorreram a vários subterfúgios para camuflá-la, como as perucas e apliques usados pelos assírios, cretenses, cartagineses, persas e gregos. Numerosos tratamentos empíricos e naturais foram experimentados como saliva de cavalo, esterco de ganso ou teias de aranha aplicadas na cabeça para estimular os cabelos a crescerem.

Egito Antigo, 1500 a.C.

O papiro Ebers, descoberto em Luxor, Egito, datado de 1550 a.C., traz a receita mais antiga conhecida para o tratamento da calvície: uma mistura de óxido de ferro, chumbo vermelho, cebola, alabastro, mel e gordura de uma variedade de animais, incluindo cobras, crocodilos, hipopótamos e leões. Consta que a bela Nefertiti, esposa do faraó Amenófis IV, era entusiasta dessa receita.

A mistura deveria ser engolida, depois de primeiro recitar uma invocação mágica ao Deus Sol: “Ó Brilhante, tu que pairas acima!  Ó Disco do Sol! Ó Protetor do Divino!”

Outra receita popular era uma mistura de tâmaras, patas de cachorro e cascos de burros – tudo cozido em óleo e aplicado no local.

As perucas também eram populares entre a realeza egípcia, e vários apliques elaborados e bem preservados foram encontrados pelos arqueólogos nas tumbas. As perucas egípcias eram muito ornamentadas, feitas de fibra de linho e e cabelo humano, enquanto outras, feitas de ouro, pareciam mais com um capacete.

Grécia Antiga, séc. V e VI a.C.

Na Grécia Antiga, foi Hipócrates, um célebre careca e pai da medicina moderna, também estudou a calvície. Foi o primeiro a descrever uma solução “eficaz” para conter e evitar a queda de cabelo: uma mistura de ópio, raiz-forte, fezes de pombo, beterraba e várias especiarias que eram aplicadas na cabeça. Não funcionou. Hipócrates acabou ficando tão calvo que, dois mil anos depois, nos referimos aos casos extremos de queda de cabelo como “calvície hipocrática”.

Ele fez, contudo uma observação importante que compõe os chamados “Aforismos de Hipócrates”. Observou que os eunucos do Exército Persa que guardavam o harém do rei não eram carecas. Já os homens viris de “sangue quente” ficavam carecas. Como os eunucos eram castrados, eles não tinham “sangue quente” e, portanto, retinham seus cabelos. No Aforismo XXVIII, Hipócrates afirmou: “Os eunucos não são afetados pela gota, nem ficam calvos”.

Hoje sabemos, que, de fato, a castração feita antes ou logo após a puberdade reduz os níveis de testosterona e DHT no sangue a tal ponto que a queda genética de cabelo é evitada. Mas tal método para evitar a calvície não é nada interessante, e novas fórmulas foram criadas.

O filósofo Sócrates (à esquerda) e médico Hipócrates (à direita): dois célebres calvos da Grécia Antiga.

Roma Antiga, séc. I a.C.

O poeta romano Ovídio escreveu em sua Arte de Amar: “Feio é o campo sem grama, o mato sem folhas e a cabeça sem cabelo”. Masa calvície não era apenas uma questão de estética. Como em outras sociedades, também na Roma Antiga, o cabelo era um símbolo de poder, fertilidade, coragem virilidade.

Isso trouxe um problema para Júlio César, o célebre general conquistador da Gália e líder da República romana que começou a ficar careca ainda jovem. Suetônio conta em sua obra Vidas dos Doze Césares, que Júlio César “não se resignou a ser calvo, pois mais de uma vez constatou que esse infortúnio provocava o riso de seus detratores”.

Para disfarçar a calvície, Júlio César criou um novo penteado: deixou crescer o cabelo que restava, na parte de atrás de cabeça, e penteava-o sobre a careca até a testa. Para segurar o cabelo, usava gordura animal e a coroa de louro.

Um tratamento popular entre os calvos romanos era esfregar mirra no couro cabeludo. Na falta dessa especiaria cara e rara, restava optar pelo penteado estilo Júlio César.

Júlio César em duas representações: à esquerda, busto em mármore do século I a.C., Museus do Vaticano; à direita, reconstituição artística em argila e silicone a partir de impressão em 3D, 2020.

Idade Média

Durante a Idade Média, houve um declínio do interesse pelos cuidados capilares. A Igreja os considera como sinal de pura vaidade e sedução. No entanto, as mulheres não deixaram de cuidar de suas longas cabeleiras e de preocuparem em buscar fórmulas para evitar a queda. O Ornatus mulierum (“Ornamento das Damas”), texto anglo-normando do século XIII, trazia a seguinte receita contra a queda de cabelo:

“Pegue rosas frescas ou secas, murta, banana-da-terra e cascas de bolotas e castanhas; ferva-os em água da chuva e, com essa água, lave a cabeça, de manhã e à noite. Em Pouille, vi uma mulher que perdia o cabelo todos os anos. Curou-a assim: pegou berbigão [espécie de molúsculo] e queimou-o, também a casca do salgueiro, as folhas da figueira e as cinzas do castanheiro, da vinha e do spurge [planta]. Ela misturou tudo isso com azeite; depois, quando o cabelo foi lavado com água da chuva, ela o tratou quatro vezes com esse preparo. A partir daí, a mulher não perdeu mais os cabelos.”

Outra fórmula antiqueda de cabelo recomendava triturar casca de pinheiro, murta e cabelo de uma menina, depois marinar tudo em vinho branco, e por fim coar o líquido obtido e passar no couro cabeludo.

Havia, também, receitas populares que prometiam devolver a cor loura aos cabelos embranquecidos: preparar uma pasta feita de cinza de ramos de videira e de freixo macerados e cozidos durante meio dia em vinagre. Aplicar a pasta nos cabelos à noite, cobrir com panos e só retirar no dia seguinte.

As perucas da Idade Moderna

O século XVII, na Europa, foi a época de ouro das perucas masculinas e femininas. A moda começou na França, com Luís XIII. Seu sucessor, Luis XIV, famoso na juventude por sua cabeleira farta, passou a usar peruca quando ficou calvo, aos 32 anos. Na Inglaterra, o rei Carlos II sempre foi adepto da peruca, primeiro de cor preta e depois marrom. Prestigiada na cabeça da nobreza, ela se tornou um dos acessórios mais importantes do estilo masculino da época.

A peruca não só escondia a calvície como criava carecas deliberados, já que muitos homens costumavam raspar a cabeça para usá-las mais confortavelmente. Sua popularização levou a uma enorme procura por cabelos naturais. Na falta desses, usava-se crina de bode e de cavalo, ou fibra vegetal. Eram polvilhadas com pó branco.

Os peruqueiros tornaram-se profissionais requisitados. Diz-se que o rei francês Luís XV tinha a seu dispor 40 peruqueiros.

A moda chegou aos Estados Unidos e democratizou-se sendo usada também por comerciantes, militares, empregados, juízes.

Com a Revolução Francesa, em 1789, as perucas desapareceram de cena.

Pintura do século XVII mostra nobres da corte com perucas longas e volumosas.

Charge inglesa, de James Gillray, c.1790, mostra uma senhora obesa e careca prestes a experimentar uma peruca nas mãos do peruqueiro, enquanto sua filha examina sua peruca no espelho. Na parede, o retrato do rei Carlos II usando uma exagerada peruca branca. Em contraste, o jovem de cabelos muitos curtos, naturais, assusta-se com seu reflexo no espelho.

Os “óleos de cobra” do século XIX

Em meados do século XIX, a já tradicional barbearia H.P. Truefitt, fundada em 1805, em Londres, criou uma fórmula para tratar a calvície e outras doenças do couro cabeludo. O tratamento baseava-se na fumigação de uma mistura de iodo, enxofre e mercúrio para purificar o couro cabeludo e estimular o crescimento. O iodo e o enxofre ainda hoje são utilizados nos tratamentos para queda de cabelo, enquanto o vapor de mercúrio há muito é considerado tóxico e perigoso para o ser humano.

Um tratamento muito popular era o chá indiano aplicado no couro cabeludo com uma massagem vigorosa na área calva com suco de limão fresco. Não crescia cabelo, mas logo descobriram que a mistura era mais refrescante para beber do que para esfregar na cabeça.

A Barbearia H.P. Truefitt fundada em Londres, em 1805, por William Francis Truefitt, é considerada a mais antiga barbearia do mundo, certificada pelo Guinness Book, em 2000.

Foram, porém, nos Estados Unidos que surgiu a maior variedade de loções milagrosas. Era, então, o apogeu dos vendedores de óleo de cobra como eram chamadas as misturas para todo tipo de doença incluindo calvície e queda de cabelos. O nome derivava da história mitológica em que Posseidon seduz Medusa em um templo dedicado a Atená. Esta, com raiva transforma o cabelo da bela Medusa em uma cabeleira de serpentes.

Na linha dos óleos de cobra surgiram, na metade do século XIX, os restauradores capilares que prometiam curar a queda de cabelo, entre eles: “Mrs. Allen’s World Hair Restorer”, “Ayers Hair Vigor”, “Westphall Auxiliator” e o popular “Barry’s Tricopherous” que foram vendidos a compradores esperançosos que buscavam recuperar suas cabeleiras na “medicina moderna”.

A propaganda era sedutora: mulheres (na maioria) e homens jovens com uma vasta cabeleira e a promessa de resultados imediatos e duradouros. Alguns traziam um folheto com comentários de consumidores descrevendo as maravilhas do produto. Nenhum deles trazia os componentes usados na fórmula. A maioria era, porém, composta por água, álcool e corante.

Em 1870, o Chicago Medical Journal (vol. 27, p. 474) relatou que o químico inglês Henry Matthews analisou um frasco “World Hair Restorer” e descobriu que continha 75,6 gr de enxofre e 87 gr de acetato de chumbo – o que poderia levar ao envenenamento por chumbo de um usuário regular causando “paralisia incurável” através da absorção pelo couro cabeludo e da inalação de vapores da loção.

Criado por volta de 1850 por uma novaiorquina, o “World Hair Restorer” prometia trazer a cor natural para os cabelos grisalhos ou brancos e a deter sua queda. O produto foi um sucesso de vendas por sessenta anos.

(1) O “Ayer Hair Vigor”, patentado em 1868, afirmava estar “livre de substâncias perigosas ou prejudiciais” e prometia curar a caspa e impedir a queda de cabelo.  (2) O “Barry’s Tricopherous” garantia restaurar os cabelos dos carecas, e fazer crescer um cabelo mais espesso, longo e macio.  (3) O “Westphall Auxiliator” era composto com álcool a 55 graus o que levou muitos alcoólatras a beberem o tônico capilar. Talvez isso explique a estranha estampa com um rosto feminino multiplicado.

Os tônicos capilares lançados em meados do século XIX continuaram sendo vendidos até a década de 1920. Surgiram muitos outros, mas as fórmulas pouco mudavam. Em 1904, eles ganharam um aliado: o gorro porta-tônico. Lançado em 1904, era feito com duas a três camadas de tecidos. A camada interna era umedecida com uma mistura de vários ingredientes incluindo água, álcool e glicerina que, dizia o anúncio, estimulavam o fluxo sanguíneo pelo couro cabeludo e fortalecer as raízes do cabelo. Para isso, a pessoa deveria dormir com o gorro umedecido.

Em 1908, o jovem estadunidense David Wark Griffith começou a vender um tratamento para a calvície chamado “Yuccatone”. Era feito a base de yucca, uma planta nativa da América Central e sul dos Estados Unidos, muito conhecida pelas populações nativas. Os anúncios do produto perguntavam: “Você já viu um índio careca?” Pouco depois, D. W.Griffith deixou seu “Yuccatone” para se dedicar ao cinema. Teve mais sucesso no cinema do que como vendedor de tônico capilar. Tornou-se um dos mais importantes diretores dos Estados Unidos. Foi dele a direção de dois clássicos do cinema estadunidense: O Nascimento de uma Nação (1915) e Intolerância (1916).

O “Yuccatone” foi comercializado por D. W.Griffith em 1908 como a solução definitiva contra a calvície, mas não foi capaz de reverter a careca de seu produtor.

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